Climatério: uma experiência de afetos, emoções e ressignificações. – Cosmopolita
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Climatério: uma experiência de afetos, emoções e ressignificações.

Há quatro anos meu corpo começou a passar por um processo de mudanças em que sinalizava que algo não ia bem. Calor excessivo, frio intenso, dores articulares, queda de cabelo, desânimo e cansaço demasiado, uma irritação desmedida e por vezes me pegava angustiava sem motivo aparente e não tinha vontade de absolutamente nada. Tudo aquilo me era estranho. Sempre fui muito ativa. Quando eu comentava com alguém sobre o que estava sentindo e como estava me sentindo, ouvi muitos absurdos, do tipo: tente controlar essas coisas. Como é que se controla um sentimento, ou uma dor? Com que intensidade e onde posso me expor? Como saber de onde vem essa dor e qual o nome dela? Onde estou, nisso tudo? Tinha uma tristeza colocada ali, embora velada e num momento especialmente difícil.

Procurei ajuda médica, que inclusive faço periodicamente, e uma investigação minuciosa através de exames laboratoriais e clínicos apontaram para o diagnóstico do Climatério: fase da vida feminina que incide no período de transição entre reprodução e não reprodução da mulher. Ou seja, alguns hormônios somem, outros aumentam, e aí vira um conflito dificílimo de se controlar. Existe tratamento? Sim, só que era preciso saber se meu corpo estava apto a fazer a reposição hormonal, pois há restrições. E só com a ajuda do medicamento, em alguns (muitos) casos, não se resolve. Esse era o assunto da minha análise. Tentar entender e elaborar tudo o que estava acontecendo comigo. O que aquela angústia estava denunciando? Sintomas aparentemente sutis, mas que vão nos norteando por um caminho desconhecido, ou mesmo estranho.

Lacan no Seminário 10, vai dizer que a angústia não é uma emoção, mas sim um afeto à deriva, como um barco sem timoneiro, amarrado por significantes. Era exatamente isso que eu sentia. Com as emoções e os afetos à flor da pele, entendi que precisava de um começo, e que trava-se de uma ajuda multidisciplinar. Procurei ajuda nutricional e de educador físico e comecei a pôr em prática tudo que eu entendia na minha análise. Em paralelo, fiz mais e mais exames, passei por outras

especialidades médicas, trabalhando, e a vida seguindo. Inclusive entendi que eu precisava falar ou escrever mais, muito mais sobre isso. Infelizmente o assunto Menopausa, ainda é tabu em pleno século XXI. Contudo, há saída para tal mazela.

Como um adolescente em plena ascensão, a mulher no climatério, sente as mesmas e variadas (des)combinações de sentido. A queda drástica do colágeno, resultou em efeitos estéticos e internos, como terríveis dores articulares, flacidez e rugas. As transformações estéticas causam sensações de graus variados. Mudanças irreversíveis semelhantes à fase da infância para a fase adulta. Só que no caso do climatério, um corpo mais novo dá lugar a um corpo mais velho, e ao contrário da fase anterior onde se abre infinitas possibilidades de vida. Na nova fase tenho que me adaptar aos limites impostos pelo meu próprio corpo, e se conformar para não cair nas garras da marginalização social imposta ao comportamento perfeito. O que também me convoca a pensar naquele estado de sofrimento dito acima, que me coloca diante de clichês pouco explorados na sociedade. A conscientização de que se pode estar envelhecendo, é uma experiência angustiante sentida num processo contínuo e profundo capaz de ser representado por um estado de adoecimento ou mesmo um processo de luto.

No que diz respeito à perda, várias coisas estão em jogo: projetos pessoais (especializações/mestrado/doutorado). O cansaço extremo e a sensação constante de não conseguir dar conta de leituras, ao mesmo tempo o trabalho e afazeres gerais. A instabilidade de humor se faz presente, o que me aliena do convívio social, sendo que o que poderia ser um lugar de entretenimento passa a ser um fardo, e tudo perde o brilho. E de um modo geral, para a mulher o sentimento de envelhecer pode ser ainda mais frustrante do que para o homem, pois apesar de terem conquistado muitos direitos, a desigualdade a que estamos submetidas, torna muito difícil desvencilhar o trabalho e os projetos dos afazeres da casa e da maternidade, dificultando ainda mais o percurso para realização profissional.

O luto também está presente com relação aos vínculos familiares e de amizade. É interessante observar que algumas pessoas, as quais somente toleraremos, já não cabem mais, não faz sentido. A instabilidade física e mental gera uma sensação estranha e uma desconstrução do que sustentei em toda minha trajetória de vida. Aquilo que entendo que é preciso me afastar, me causa dor, por mais que não esteja me agradando. E também não posso exigir dos que me são caros, uma presença constante ao meu lado, todas as vezes que me sinto insegura.

É uma ambiguidade de sentimentos difícil de ser nomeada. Passamos a buscar mais bem estar, e isso inclui boa companhia.

Em Luto e Melancolia, Freud (1917) sugere que desejo é um estímulo ao psiquismo do sujeito e que sempre estará em busca de uma saída criativa para a fonte de realização e resolução de seus problemas. Já a tristeza, não é presença exclusiva dos estados depressivos, mas sim um afeto que implica subjetivamente o sujeito na dor, apontando nosso limite.

Adentrando e estudando sobre todos os sintomas que permeiam essa dura fase da mulher, percebo inúmeras formas de alívio para os sintomas do climatério, e que sem dúvida devem ser consideradas. Como dito acima, a reposição hormonal que oferece inúmeras possibilidades de melhora. A atividade física, desde que cada uma encontre seu ritmo a seu gosto, sem se cobrar demais e uma alimentação adequada a cada uma. Não existe um estereótipo em que todas caibamos.

Mas somente a reposição não dá conta sozinho de tanta instabilidade. Há que se elaborar subjetiva e singularmente cada questão, cada perda. O tema climatério ainda é um tabu social, e falar sobre ele convoca a mulher para sair da posição de “guerreira”, da qual a sociedade insiste em nos colocar, para um lugar de vulnerabilidade e que vai de encontro com os desafios que enfrentamos com relação a desigualdade. É preciso falar sobre esses sintomas, a fim de que possamos nos ajudar, nos sentirmos pertencentes, e já que não temos outra alternativa, enfrentarmos da melhor maneira aquilo que não se pode reverter, ou seja, o envelhecimento, sem ser atrelado ao sofrimento.

As várias faces do luto aparecem veladas nessa fase, inibindo nossas dores, são sutis. Como uma forma de autocuidado, podemos considerar uma análise pessoal, que poderá nos ajudar a nomear aquilo que sentimos, trazendo possibilidades de novos trajetos, de assumir novas posições psíquicas, e tornar nossa trajetória um tanto mais leve e saudável.

Conforme já disse, senti a necessidade de falar e escrever sobre o que me atravessava no momento. E espero que a minha experiência tão subjetiva, na tentativa de entendimento sobre a menopausa possa trazer algum alívio, em algum lugar.

REFERÊNCIAS:

FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia (1917). Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Cia das Letras. (Obras Completas).

LACAN, Jacques. Seminário 10: A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

OMS. Menopause. [S.l: s.n.], 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/menopause. Acesso em: 04 de nov. 2024.

1 Comment

  • Beatriz
    Posted 7 de novembro de 2024 at 17:26

    Oi, Marta! Minha primeira incursão neste blog e me deparo com seu texto, com um assunto tão importante. Também estou passando pelo climatério, e não está sendo um passeio no parque não, rs. Tenho um blog pessoal, e escrevi a esse respeito uns dias atrás – tem sido um tempo meio recorrente. Muito obrigada por falar disso. Um abraço!

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