A implicação do sujeito na pesquisa em psicanálise: teoria, clínica e sociedade – Cosmopolita
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A implicação do sujeito na pesquisa em psicanálise: teoria, clínica e sociedade

Francisco Capoulade (Diretor e co-fundador do IPEP)
Elisabete Monteiro (Co-fundadora do IPEP)
Caio Padovan (Co-fundador do IPEP)

Nota dos autores:
O texto a seguir é o último, de uma série de três escritos, que expressam a maneira pela qual nós, cofundadores do IPEP, concebemos os Espaços Públicos, a Psicanálise e nossa abordagem de Pesquisa em Psicanálise. Esses textos são fruto de um período de reconfiguração de nossa instituição e representam a abertura de um novo capítulo em nossa trajetória. Por essa razão, decidimos torná-los públicos.

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Mesmo reconhecendo que abordar o tema da pesquisa em psicanálise implica, inevitavelmente, pensar a relação entre psicanálise e ciência — e que o estatuto da psicanálise no discurso científico suscita um debate de grandes proporções —, neste texto buscamos contornar tal discussão para focalizar a pesquisa psicanalítica e a pesquisa em psicanálise. Cabe, no entanto, mencionar a importante noção de subversão do cogito cartesiano introduzida por Lacan, que fundamenta a centralidade do sujeito do inconsciente. Desta forma, ao reinscrever o sujeito na cena discursiva, a psicanálise problematiza a racionalidade do cogito, promovendo o descentramento do eu da consciência.

A pesquisa e a prática clínica em psicanálise estão intimamente ligadas. É nesse sentido que a pesquisa em psicanálise é, por essência, clínica, assim como a prática clínica é, sempre, investigativa. Desde Freud1, pesquisa e tratamento ocorrem simultaneamente; a clínica analítica constitui, portanto, um laboratório singular, baseado na relação transferencial entre analista e analisando. Tendo o sujeito do inconsciente como objeto e visando a sua emergência através de manifestações como atos falhos, sonhos, sintomas, chistes e lapsos, a psicanálise define sua regra fundamental, ou seja, seu método: a associação livre e, como sua contrapartida, a escuta analítica, ancorada no princípio da atenção flutuante. A clínica, nesse sentido, é o campo privilegiado de acesso ao inconsciente.

Em suma, o método de pesquisa em psicanálise é essencialmente clínico, centrado na transferência. No entanto, é necessário reconhecer que pesquisas de caráter psicanalítico podem ultrapassar os limites do consultório, oferecendo leituras da complexidade dos fenômenos sociais. Assim, a indissociabilidade entre pesquisa e intervenção em psicanálise estende-se também à escuta do inconsciente em contextos sociais, utilizando, quando necessário, dispositivos teóricos e metodológicos como a análise do discurso e do imaginário social. A psicanálise, dessa forma, oferece uma abordagem distinta para investigar fenômenos sociais, contribuindo para a compreensão dos modos de alienação e inclusão do sujeito no laço social. Essa prática, que extrapola os limites do setting clínico, é conhecida como psicanálise aplicada, psicanálise em extensão2 ou, como denomina Miriam Debieux Rosa (2004), psicanálise extramuros.

A psicanálise aplicada encontra seus fundamentos nos trabalhos de Freud que, por meio de conceitos como identificação e sintoma social, deixou formulações significativas para a articulação entre sujeito e sociedade.

Para além desses dois tipos de pesquisa em psicanálise, pura e aplicada, por assim dizer, há ainda um terceiro campo de pesquisa, que toma a própria psicanálise como objeto de investigação. Esse campo promove um contínuo reexame tanto de suas teorias e de seus conceitos fundamentais, estabelecendo para tal um diálogo com a filosofia, a epistemologia e a história de seu desenvolvimento, quanto de sua prática, seus métodos e técnicas. Os resultados dessas investigações têm grande importância: questionam, problematizam e revisitam os alicerces que sustentam a prática e a teoria psicanalítica.

No território da clínica “pura”, a pesquisa em psicanálise pressupõe a sobreposição entre pesquisador e analista. Já o pesquisador da psicanálise aplicada, extramuros, bem como aquele que se dedica ao estudo de seus fundamentos teóricos e seu exercício prático e metodológico, pode jamais ter exercido a escuta psicanalítica em consultório.

Ao abordar a pesquisa em psicanálise, seja ela pura ou aplicada, é fundamental destacar uma diferença essencial em relação ao discurso tradicional sobre ciência e pesquisa: parte-se do princípio de que pesquisador e objeto estão imbricados um no outro. Ou seja, o sujeito que pesquisa está subjetivamente implicado na escolha e condução de seu problema de pesquisa. Essa imbricação, longe de comprometer a fidedignidade da investigação, é tomada como o motor do desejo que impulsiona o pesquisador em seu percurso investigativo.

Referências:

ROSA, Miriam Debieux. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, V. IV, N. 2, p. 329 – 348, set. 2004.


Fica disponível aqui, o link de acesso para os  outros dois escritos.
1. Espaços Públicos [04.09.25]https://cosmopolita.ipep-psicanalise.com.br/psicanalise/04/09/2025/espacos-publicos/

2. Por uma compreensão da psicanálise [02.10.25]
https://cosmopolita.ipep-psicanalise.com.br/psicanalise/02/10/2025/por-uma-compreensao-de-psicanalise/

Notas de rodapé:

  1. Num dos textos do conjunto de Artigos sobre a técnica, Freud diz que cada paciente reescreve a teoria. ↩︎
  2. Em contraposição à psicanálise em intensão, que se refere à forma clássica da psicanálise, centrada na clínica do consultório, lugar do trabalho realizado entre analista e analisante. ↩︎

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