O Enigma do Sintoma – Cosmopolita
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O Enigma do Sintoma

Cena 1 – O Arquivo Secreto: Quando Tudo Começou

Uma manhã chuvosa em uma biblioteca silenciosa. Livros antigos repousavam empoeirados, mas um deles parecia ter sido recentemente remexido. Um arquivo de capa de couro gasto, com letras quase ilegíveis, dizia: “O sentido do sintoma na cultura contemporânea.” Quem seria o autor? Qual mistério se escondia por trás de suas páginas?

A história do sintoma é um verdadeiro romance de detetive. Seu autor original, Freud, decifrou os primeiros enigmas. Lacan reescreveu os códigos. E nós, agora, caminhamos entre restos e vestígios, tentando compreender como esse elemento clínico persiste e se transforma diante das demandas contemporâneas.

É neste espírito investigativo, inspirado nos métodos rigorosos e nas sombras que encobrem a verdade, que nos lançamos nesta travessia entre passado e presente. Afinal, o sintoma, hoje, é mais discreto e mais gritante que nunca.

Cena 2 – Freud: O Primeiro Detetive

No final do século XIX, Sigmund Freud emerge como uma espécie de detetive do inconsciente. Seu trabalho com Breuer no “Estudo sobre a histeria” revelou algo inédito: havia uma verdade encoberta sob os sintomas das pacientes histéricas. Esses sintomas não tinham base orgânica, mas expressavam um conflito psíquico recalcado.

O que Freud propõe é revolucionário: o sintoma é uma formação do inconsciente. Ele guarda um sentido, mesmo que distorcido. Nos textos técnicos da psicanálise, Freud refina essa ideia. O sintoma surge como um compromisso entre o desejo inconsciente e a repressão.

A clínica torna-se então uma investigação. O psicanalista deve escutar, interpretar e interrogar o que aparece como sofrimento para encontrar o desejo que nele se esconde. O sintoma não é uma falha a ser corrigida, mas uma mensagem cifrada a ser lida.

Cena 3 – Lacan: O Mistério se Aprofunda

Com Jacques Lacan, a investigação se torna ainda mais sofisticada. O sintoma, para ele, não é apenas um efeito de recalcamento, mas um produto da linguagem. Ele nos ensina que o sujeito é estruturado pelo significante, e o sintoma é o traço de um encontro malogrado entre o desejo e a lei do Outro.

No Seminário 23, “Le Sinthome”, Lacan propõe uma reviravolta: o sintoma é um modo de gozo, uma invenção singular, um ponto de amarração entre o real, o simbólico e o imaginário. Ele se afasta da ideia de dissolver o sintoma para propor que o analisando aprenda a fazer algo com ele.

O exemplo de James Joyce é paradigmático. Joyce teria se “salvado” da psicose ao criar um sinthoma literário – sua escrita. Aqui, a clínica não visa a cura pela norma, mas a invenção de um modo próprio de lidar com o mal-estar.

Cena 4 – O Crime na Atualidade: Diagnósticos sem Escuta

Na contemporaneidade, encontramos uma nova cena do crime: a medicalização do sofrimento psíquico. O sintoma é capturado cada vez mais rapidamente por diagnósticos. Transtornos são nomeados antes mesmo que o sujeito possa dizer algo de sua dor.

TDAH, depressão, burnout, ansiedade — etiquetas que funcionam como tamponamento do enigma. O sintoma, antes suporte da escuta analítica, torna-se alvo de protocolos. A linguagem é substituída por estatísticas.

A psicanálise, no entanto, insiste: há uma verdade subjetiva que escapa aos manuais. O sujeito fala, mesmo quando se cala. O sintoma, nesse sentido, permanece como o rastro de um real que não cessa de não se escrever. E o psicanalista, como um bom detetive, não impõe soluções — ele escuta.

Cena 5 – Conclusão: O Sintoma Não se Apaga

O que Freud e Lacan nos ensinam é que o sintoma não deve ser combatido como se fosse um inimigo. Ele é o índice de algo que insiste. Na clínica, o trabalho com o sintoma é trabalho com o desejo. Não se trata de apagá-lo, mas de dar-lhe dignidade de fala.

Hoje, mais do que nunca, a escuta do sintoma é um ato político. Num mundo que exige adaptação e performance, o psicanalista escuta o que não se encaixa. A clínica é o espaço onde o sujeito pode não saber, não querer, não funcionar.

O sintoma, então, não é o erro. É o vestígio de uma verdade que escapa à norma. E é por isso que ele continua sendo o protagonista de nossa história — ou, quem sabe, o autor secreto deste longo romance chamado psicanálise.

*Imagem de capa gerada por IA

Suzane é psicanalista, mestre em educação e graduada em psicologia pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Professora universitária nos curso de pós-graduação: Teoria Psicanalítica (IPEP em parceria com a Unieduk) e em Clínica Psicanalítica (UNASP). Supervisora Clínica (Psicanálise Lacaniana). Pesquisadora na área de: História do movimento psicanalítico no Brasil e na América Latina. Autora do livro “Psicanálise e Educação no Brasil: traços de uma formação”, lançado pela editora Dialética (2024).

  • Instagram: @suzanecostapsi

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