Em tempos de diagnóstico excessivo: fracasso escolar e angústia familiar – Cosmopolita
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Em tempos de diagnóstico excessivo: fracasso escolar e angústia familiar

A inserção na escola me fez pensar acerca de alguns fenômenos relacionais, e o fracasso escolar foi o que mais me apareceu durante esse processo. Conversas com colegas que pensam e trabalham com a área da educação me atravessaram e me fizeram tecer algumas palavras para dialogar aqui com vocês.

A crescente no número de diagnósticos em crianças e adolescentes é, sem sombra de dúvidas, algo que estremece e assusta os diversos profissionais da educação e suas áreas de intersecção; assim a psicanálise não se distancia desse espanto.

 Pensar a história desse fenômeno talvez seja um ponto de partida de suma importância para retomarmos essas questões no campo da educação e suas relações com os demais campos do saber. Vamos lá?

Patto (1999) aponta que as explicações dadas para o fracasso escolar na escola pública brasileira, desde o período de 1850 a 1930, eram baseadas em teorias raciais. Dessa forma, os colonizadores consideravam os colonizados como seres inferiores e incapazes de aprender. A partir do movimento conhecido como escolanovismo, as causas para o fracasso escolar foram atribuídas aos métodos de ensino, e não ao indivíduo. 

Por isso, programas e métodos educacionais foram determinados pelas capacidades e pelas características individuais, reconhecendo a especificidade psicológica de cada um ― questão complexa que afeta muitos estudantes em diferentes níveis de ensino. As explicações psicologizantes desse período também conviviam com as teorias racistas, marcadas desde a colonização pela opressão e pelos preconceitos contra índios, mestiços e negros.

Durante a década de 70, tentou-se ainda superar o discurso fraturado sobre as causas do fracasso escolar, que passou a ser explicado pela Teoria da Carência Cultural. Esta manifestação foi considerada por Patto (1999) como sutil, porém a mais repleta de preconceito racial e social. Nessa teoria, a diferença cultural foi apontada como explicação para o fracasso escolar, uma vez que a escola era inadequada para as crianças carentes, já que os professores da classe média utilizavam métodos destinados às crianças da classe favorecida.

A década de 70 também foi marcada pela Teoria Crítico-Reprodutivista de Bourdieu e de Passeron, que introduziu a possibilidade de pensar o papel da escola atrelado a uma concepção crítica da sociedade. Essa teoria apontou para o fato de que as instituições sociais se tornam lugares nos quais se exerce a dominação cultural: a ideologização a serviço da reprodução das relações de produção. Dessa maneira, o embaçamento da visão de exploração na escola seria produzido, principalmente, pela veiculação de conteúdos ideologicamente enviesados e do privilegiamento de estilos de pensamento e de linguagem característicos das classes dominantes.

Assim, o sistema de ensino tornou-se um instrumento a serviço da manutenção dos privilégios educacionais e profissionais dos que detêm o poder econômico e o capital cultural. Faço aqui uma recomendação ao texto do colega Daniel Pereira da Silva ‘O fetichismo da Economia à Psicanálise’, publicado aqui, nesta edição de setembro de 2023.

Voltemos um pouco mais. Não distante, a crescente no número de diagnósticos acerca do autismo e do TDAH, nos dias de hoje, atinge ainda um maior impacto no laço social e no cotidiano escolar, quando ― em uma sala de aula ― temos cerca de 5 a 7 alunos laudados. 

Me ponho a pensar sobre: qual o lugar do diagnóstico na sociedade atual? Ele vem para nomear o quê? E para garantir o quê?  Estamos constantemente em busca de um lugar, de um sentido para a vida e para a nossa existência. Às vezes, essas nomeações dão um lugar não só para a criança, mas para a família que ali existe e sofre sem saber o que fazer com o que está diante dela. 

Um estudo de Angelucci (2004), sobre produções escritas de 1991 a 2002 em mestrados e doutorados na cidade de São Paulo, apontou quatro perspectivas para entender o fracasso escolar: problema psíquico, técnico, institucional e político. A retomada dessas explicações no presente, como alertou Patto (1999), é um retrocesso.

Para resolver os problemas educacionais, não se pode esperar por reformas legais. Como nos diz Saviani (1991), é  necessário estabelecer um projeto de reflexão e de ação que leve em consideração os determinantes sociais da educação. 

Assim, a garantia de um padrão de qualidade educacional deve incluir a aquisição de conhecimento científico, a formação da cultura democrática e o potencial para ações de transformação da sociedade. Essas ações pedagógicas permitirão que o aluno se reconheça como parte dessa sociedade contraditória e como sujeito capaz de agir para mudar essa realidade.

Por mais longo e árduo que o caminho possa parecer, é necessário pensarmos que o boom de diagnósticos nos mostra uma sociedade exausta e com ânsia para nomear sofrimentos que ela mesma produz. Espero, ainda, que o sentido possa ser encontrado na singularidade de cada um e que as diferenças não sejam vistas mais como traços de um fracasso.

2 Comentário

  • Silvana Ribeiro
    Posted 26 de setembro de 2023 at 13:24

    Artigo muito interessante, porém a educação não depende só das escolas os pais têm que colaborar com a criança ou adolescente em si,sendo um conjunto para que essa criança cresça com interesse de aprender e ser um adulto melhor no futuro.
    Quando se tem interesse das três partes, podemos ter pessoas inteligentes e dedicada ao próximo.

    • Suzane Costa
      Posted 26 de setembro de 2023 at 13:38

      A interação: família, escola e aluno é de suma importância para que possamos pensar uma atuação e leitura da educação.
      A concepção de fracasso, infelizmente se faz ainda atual, mas se as três parte trabalharem juntas, como você disse, podemos ter grandes avanços!
      Obrigada pelo comentário.

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