“Perto do Velório” – Cosmopolita
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“Perto do Velório”

“Mamãe, aqui estamos perto do velório?” diz a criança à sua mãe durante o voo.

A mãe, assustada, responde: “O que é isso menino, estamos voando para Campinas, o que isso tem a ver com velório?”

O menino, mais do que depressa, responde: “É que quando fomos ao velório da vovó, a tia disse que ela estaria aqui no céu, então queria saber se o velório tá perto ou não”.

O silêncio que se seguiu à resposta do menino foi preenchido pelo zumbido constante dos motores do avião. A mãe, ainda atônita, tentava encontrar uma resposta que fizesse sentido para a mente curiosa do filho. O céu, o velório, a avó… A lógica infantil, que frequentemente mistura fantasia e realidade, desafia a compreensão adulta.

Freud, em seus estudos sobre a sexualidade infantil, já nos alertava sobre a complexidade dos pensamentos das crianças. Em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, ele discorre sobre como os pequenos, ao se depararem com a realidade da vida e da morte, desenvolvem suas próprias teorias para entender o mundo ao seu redor.

A mãe lembrou-se de como, durante o velório da avó, as tias e tios tentaram explicar à criança que a vovó agora estava no céu, um lugar bonito e tranquilo. Na tentativa de suavizar a perda, ofereceram uma imagem reconfortante, mas sem perceber, também plantaram a semente de uma confusão lógica na mente do menino.

Freud argumenta que as crianças, ao confrontarem a morte pela primeira vez, constroem suas próprias explicações. Elas tentam dar sentido ao incompreensível, unindo peças de informações fragmentadas que recebem dos adultos. A noção de que a avó estava “no céu” se mesclou com a realidade concreta do velório, criando a pergunta simples e direta do menino durante o voo.

A mãe, agora mais calma, sorriu e tentou explicar de forma que o filho entendesse. Disse que o céu onde a vovó estava não era exatamente o mesmo céu onde o avião voava. Era um lugar especial, onde as pessoas que amamos vão quando não podem mais estar conosco. A criança, com os olhos brilhando de curiosidade, parecia aceitar a explicação, mesmo que ainda restassem dúvidas em sua mente.

A complexidade da mente infantil, como Freud apontou, é uma dança entre o real e o imaginário. As primeiras elaborações sobre vida e morte são inevitavelmente marcadas por essa mistura, onde a fantasia ajuda a preencher os espaços deixados pela realidade ainda incompreensível.

O avião continuava sua rota, cortando as nuvens, sentada na poltrona ao lado, eu olhava  para o menino e via nele a mesma curiosidade incessante que um dia eu mesma ja tivera. Percebi que, assim como todos nós, ele também construía seus próprios significados, moldando o mundo à sua volta com as peças que encontrava. E, assim, a jornada entre vida e morte continuava, uma crônica de descobertas e aprendizados que se desenrolava a cada nova pergunta e resposta.

Aos poucos, o céu de Campinas apareceu no horizonte, e com ele, novas possibilidades de perguntas e descobertas. A mãe sabia que muitas outras questões viriam, e sabia também que teria que enfrentá-las uma a uma, e assim como seu filho, talvez não tivesse respostas para todas, mas precisaria ter a ousadia de tentar e voltar a elaborar assim como fez seu pequeno.

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