A experiência com a solidão – Cosmopolita
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A experiência com a solidão

A solidão é uma das experiências mais universais e, ao mesmo tempo, mais misteriosas da existência humana. Todos, em algum momento da vida, já sentiram a força desse vazio que parece afastar-nos dos outros e de nós mesmos. 

Na vida cotidiana, ela se manifesta de maneiras muitas vezes inesperadas: na rotina do trabalho, nas interações digitais, nas relações mais íntimas. A solidão está sempre presente, mesmo quando tentamos afastá-la com as distrações do mundo moderno.

Lacan sugere que essa solidão é, na verdade, uma parte estrutural da nossa condição como seres que falam. Desde o momento em que ingressamos na linguagem, perdemos algo de nós mesmos. Deixamos para trás uma suposta fusão com o outro primordial – a mãe ou o cuidador – e entramos em um mundo marcado pela falta. A linguagem, ao mesmo tempo que nos conecta com o mundo, impõe limites à nossa experiência. Não podemos dizer tudo, não podemos expressar inteiramente o que sentimos. A própria palavra é insuficiente. Essa falta é constitutiva de nossa subjetividade, e é dela que nasce a solidão.

No cotidiano, essa experiência de solidão é amplificada pela forma como a vida moderna opera. Vivemos em uma cultura que valoriza a produtividade e a eficiência, que nos empurra a estar sempre ocupados, sempre conectados, sempre buscando algo fora de nós. Há uma promessa implícita de que, se fizermos o suficiente, se trabalharmos o bastante ou mantivermos uma vida social ativa, a solidão desaparecerá. No entanto, quanto mais tentamos preencher esse vazio com atividade, mais a solidão parece nos assombrar.

O filósofo Jean-Paul Sartre reflete sobre a experiência de estar com os outros como algo que, paradoxalmente, pode intensificar nossa solidão. Estar em companhia não garante conexão. Muitas vezes, a convivência pode expor ainda mais o abismo entre nós e os outros. Sentimos que nossas palavras não são totalmente compreendidas, que nossas emoções não encontram eco, que há sempre algo que permanece inatingível. Nesses momentos, a solidão não é a ausência de pessoas ao nosso redor, mas a ausência de uma compreensão mútua. É o silêncio que persiste, mesmo nas conversas mais longas.

A filosofia de Sartre vai além ao sugerir que estamos condenados à liberdade, o que implica estar sozinhos em nossas escolhas e em nossas responsabilidades. Não há garantias externas para a vida que escolhemos, e a solidão é o preço que pagamos por sermos livres. O outro, em sua alteridade, nunca poderá preencher completamente esse vazio que é parte da nossa condição de seres conscientes. Assim, a solidão se torna uma espécie de companheira inevitável, uma sombra que nos segue aonde quer que vamos.

Lacan, por sua vez, aprofunda essa reflexão ao afirmar que o desejo humano é, por definição, sempre insatisfeito. Desejamos incessantemente porque algo nos falta, e é essa falta que nos move. No entanto, o objeto do nosso desejo – aquilo que supostamente nos completaria – nunca está realmente ao nosso alcance. O que desejamos é, no fundo, inatingível. É essa dinâmica que perpetua a solidão. Buscamos o outro, mas o outro nunca pode nos dar aquilo que, em última instância, nos falta. É uma ilusão pensar que a solidão pode ser completamente superada através do encontro com o outro.

Mas a solidão não é apenas uma experiência de sofrimento. Para a filosofia e para a psicanálise, ela também pode ser um ponto de partida para uma compreensão mais profunda de nós mesmos. A solidão, longe de ser apenas uma ausência, pode ser uma presença – um espaço de reflexão e criação. Quando nos permitimos estar sós, sem buscar preenchimentos rápidos, podemos começar a ouvir a nossa própria voz (que nem sempre é amigável). Esse encontro consigo mesmo, sem as distrações da vida cotidiana, pode ser um momento de verdade. É na solidão que podemos confrontar nossas próprias faltas, nossos medos e desejos, sem a mediação do olhar do outro.

O desafio da vida moderna é que, muitas vezes, fugimos dessa solidão. Enchemos nossos dias com compromissos, interações digitais e distrações para evitar o encontro com o vazio. A cultura contemporânea, com sua ênfase na produtividade e na conectividade, não nos ensina a estar sozinhos. Aqui faço a indicação de um canal no Youtube – Ludoviajante – e de um vídeo em específico “Carta aberta para o vazio (e pra quem se perdeu nele)” –  (https://www.youtube.com/watch?v=zg4OOqw8BoU).

Pelo contrário, somos incentivados a preencher cada minuto de nossa existência com alguma forma de atividade ou entretenimento. Mas a consequência disso é que nos afastamos de nós mesmos. O medo da solidão nos leva a evitar o silêncio e a reflexão, e, ao fazer isso, perdemos a oportunidade de uma conexão mais profunda com nossa própria subjetividade.

No entanto, não se trata de idealizar a solidão. Ela pode ser dolorosa, especialmente quando sentida como um abandono ou uma falta de sentido. Muitas vezes, o isolamento pode gerar sofrimento psíquico, e é preciso reconhecer essa dimensão da experiência. Mas a solidão também pode ser um espaço de liberdade, onde não estamos presos às expectativas dos outros. Ela pode nos libertar das imposições externas, permitindo que descubramos o que realmente importa para nós.

A solidão é uma parte inevitável da experiência humana. Ela está presente no coração das relações, no cotidiano da vida e na própria estrutura do desejo. Podemos tentar evitá-la, mas ela sempre estará ali, como um lembrete de que somos, em última análise, seres incompletos. 

Se podemos aprender algo com a solidão, talvez seja isso: que estar só não é o fim, mas o começo de algo. Um encontro consigo mesmo, uma pausa no barulho incessante da vida, um momento de verdade. Porque, afinal, a solidão não precisa ser temida. Ela pode ser, simplesmente, um lugar onde nos permitimos ser, sem a urgência de preencher o que nos falta.

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