Os conservadores tem medo da arte – Cosmopolita
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Os conservadores tem medo da arte

Em tempos quase imemoriais, quando o cérebro, o coração e as mãos se correspondiam na inicial transformação do mundo circundante, já encontramos aquela permanente atividade do humano: a representação das coisas, seres e sentimentos através de imagens. Esta atividade chamada arte, que atravessa o caminhar de todos os povos de todas as eras, e cuja conceituação hoje leva a um caminhão de definições, surge inúmeras vezes entrelaçada com a magia. Ela não raramente trata do desejo de sermos inteiros. Inseparável do desenvolvimento técnico que revela novas forças produtivas ao longo dos processos históricos, a arte coloca-se como  chave que permite abrir as portas para se ter acesso àquilo que foi reprimido/esquecido.

A imaginação que revela os poderes do mundo interior, é o guia de fogo para  as criações  dos artistas; muito especialmente dos artistas que não topam a ordem estabelecida. Pois é, a imaginação(indissociável da arte) coloca em cena  a linguagem do desejo e a possibilidade de sua realização. É a manifestação daquilo que os conformistas julgam como improvável ou impossível , e que os carolas recriminam como imoral e fora do bom senso. 

É verdade que dentro das civilizações , ou se quisermos das sociedades de classes, a arte nunca esteve acima da divisão entre trabalho físico e trabalho intelectual, sendo que as realizações artísticas sempre estiveram circunscritas nos ambientes sociais caracterizados pelo luxo e pela pança cheia. Mas também é verdade que em períodos históricos atravessados por graves crises econômicas e sociais, os artistas desafiaram as convenções e realizaram uma profunda contestação dos costumes, da moral dominante,  alargando os domínios alquímicos da linguagem. 

Se muitos foram e são os artistas cortesãos que rendem homenagens aos personagens opressores e ao cotidiano escravizado, existe um número considerável de artistas que se colocam como aliados das transformações históricas. Para o vocabulário capenga dos conservadores de meia pataca que abundam nos nossos dias, a palavra “ artista “seria perigosa porque a atividade artística seria naturalmente suspeita. Em meio ao gigantesco depósito de desgraças que aumentam todos os dias, a palavra  “conservador “ entra na veia de pessoas que não aprenderam e nem querem aprender nada com a história. 

Conservar o que afinal? De acordo com o embuste direitista os conceitos de “conservador “ e “ bem “  aparecem associados num combate contra tudo aquilo que reivindica transformações na vida social. É a ideia religiosa de cruzada contra o mal que ganha corpo nas narrativas de mocinhos e bandidos, de santos e demônios, e que tanto atrasam a consciência das massas. Se em nome do “ bem “ foram registrados ao longo dos tempos genocídios e guerras, o questionamento da presente organização social realizado pelos espíritos críticos só pode se basear em fatos concretos. É a exposição destes últimos que nos mostra a necessidade de mudanças históricas, nas quais os artistas possuem um valor inestimável dada a influência da arte nos rumos da sociedade. A defesa da participação libertadora da arte nesse mundo requer que antes mostremos em que pé estão as coisas.  

Boa parte da humanidade está morrendo de fome. As guerras imperialistas dão o tom no Oriente Médio e na Europa. As novas tecnologias não tornam a vida mais confortável: a labuta, o trabalho exaustivo, se intensifica(e se precariza) e o roubo da vida dos trabalhadores surge como parte de uma paisagem natural; aliás as paisagens naturais , a natureza/a vida na Terra, encontra-se ameaçada: as formas da natureza convertem-se lentamente em cinzas de espécies animais e vegetais com o avanço dos desmatamentos e da crise climática. 

A relação predatória com o meio ambiente coexiste com a crise afetiva. O amor nunca foi tão reprimido, tão cretinizado: homens agredindo e assassinando suas companheiras,  demonstrações diárias de racismo e homofobia,  gente egoísta quem tem medo de amar e que não consegue imaginar o amor fora das esquizofrênicas  relações de conveniência social do casal burguês e da libertinagem vazia. Gente que quer ser coisa, que aceita numa boa ser mercadoria. Podemos concluir que as sofisticadas máquinas de moer a subjetividade ameaçam a arte, ameaçam as livres forma de expressão do desejo e do pensamento. 

Perante as situações elencadas acima, como esperar que pessoas sensíveis e sinceras saiam em defesa da presente ordem econômica, política e social?  Boa parte do trabalho dos psicanalistas nas clínicas pode servir como guia documental para a seguinte afirmação: as graves contradições sociais intensificam as contradições individuais que expressam o mal estar. Isto efetiva-se inclusive no plano artístico. Enquanto que as fórmulas da cultura de massa se desdobram em produtos artísticos esgotados em suas possibilidades estéticas, temos artistas e escritores conscientes que estão prestando atenção nas relações entre  gênero e classe, nos problemas do desejo e se empenhando na denúncia da violência que o Estado realiza contra os trabalhadores. 

Sentimentos contraditórios presentes nas manifestações artísticas marcadas tanto pelo pessimismo quanto  pelo otimismo, presentes tanto nos espaços públicos quanto nos museus, que consistem tanto em objetos físicos quanto em imagens na internet,  nos mostram não apenas aquilo que todo leitor de orelha de livros sabe(isto é, o sofrimento do indivíduo é indissociável da coletividade). O que nos damos conta cada vez mais é que o mundo interior, onde localiza-se o reino do desejo, deve ser mobilizado pela arte para expor que as coisas precisam mudar no campo histórico. As qualidades libertárias da arte presentes na espontânea exteriorização dos sentimentos,  são incompatíveis com o conservadorismo. 

Claro, os caretas reagem politicamente e tentam sufocar todo este impulso contestador na vida cultural. Teorias da conspiração, maniqueísmo e medo do inferno temperam a cultura conservadora. Recentemente jornais alemães e austríacos relataram a existência de grupos nazistas nostálgicos, que cantam hinos e adquirem espaço político. França, Grã Bretanha, Holanda, Itália e outros países registram também o crescimento no fascismo na esteira da xenofobia; esta última também alavanca supremacistas brancos nos Estados Unidos. Na América latina, o Brasil e a Argentina mostram uma classe média ultra religiosa/fundamentalista e admiradora do autoritarismo dos regimes militares de outrora. No Oriente Médio, a escalada da guerra imperialista ameaça os povos árabes. Quem consegue afinal colocar a cabeça no travesseiro?

O fato do movimento contraditório ser o carro chefe da história, aponta para a evidência de que a saída não passa pelo desespero. Trabalhadores, estudantes e artistas  falam naturalmente  a língua da revolução , reivindicam aquela tradição libertadora localizada nos escombros dos séculos passado e retrasado. A capacidade humana de compreender, questionar e transformar segue: os dados ainda estão sendo lançados. Para todos os efeitos, fica registrado que a arte pode e deve atuar como gesto desejante, logo transformador. Por mais negativo e revoltado ou por mais otimista e esperançoso que possa ser um artista, a criação fiel ao impulso interior nos fala do instinto de vida, imaginando um mundo em que a vida seja possível. 

Não se enganem : a arte em sua independência possui em nosso tempo um sentido revolucionário. Fora desta perspectiva os artistas são encarados meramente como agentes recreadores da ordem capitalista. Se faz necessário prestar atenção e reivindicar tradições culturais libertárias para avançar na guerra contra os caretas. Quando André Breton e Leon Trotsky utilizaram em seu manifesto de 1938 a expressão “ toda licença em arte “, ambos lançaram uma palavra de ordem que faz os conservadores de ontem e de hoje pedirem penico.

2 Comments

  • unbendingness
    Posted 20 de fevereiro de 2025 at 16:43

    pTLQk3bgYqB

  • clearskin
    Posted 21 de fevereiro de 2025 at 09:13

    Zj8QzPUkYVr

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