O CASTELO E O TAPETE – Cosmopolita
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O CASTELO E O TAPETE

Há trinta e poucos anos:

Parece Igreja mas é castelo

Parece castelo mas é Igreja

Parece Igreja mas é castelo

Parece castelo mas é Igreja

Parece Igreja mas é castelo…

Dois séculos, uma pedra de estacionamento e  meia ponta de grafite depois 

 Manchete principal :

 “ O calabouço foi aberto no céu(foi preciso que a TV enterrasse o sol) “. 

  Ao vivo do telhado:

 “ O juiz sentenciou que a foto com o bebê feito de folhas azuis, será depositada dentro da fechadura com antenas. Caso contrário os duendes da semana passada serão novamente levados para dentro do velho vaso rachado em mil gotas de vinho “. 

Numa manhã qualquer após o nascimento de Cristo

Na terra da língua sem fala, onde esquilos escondem dentes no jardim e caramujos trocam as suas casas por harpas de fogo,  ocorreu um breve diálogo:

BANCO DE PRAÇA: – Meu nome é Z e tenho um motorista com sete olhos na face verde. Sei que a senhora está triste, eu a conheço muito bem. Por que não para de chorar e entra na minha limosine de bambu para dar uma volta pelo céu rubro? Não tenho olhos mas o meu motorista pode me emprestar dois para que eu possa adorar a sua beleza. 

ROSA DE VITRAL:-  Desculpe… Esta noite devo aguardar a gripe dos meteoros, os gatinhos presos no arame e o ritual de chantilly  

BANCO DE PRAÇA: – Mas eu te amo tanto… Vamos abandonar de uma vez por todas este deserto de grama, soltar as correntes de tintas e suas cores congeladas. Desejo entrar na sua folha molhada de orvalho e devorar as tuas pétalas de lábios de polem  de cama desfeita. Você é a única, a única!

ROSA DE VITRAL: – Mas os cavalos estão chorando no sótão. Não posso abandonar a nuvem de travesseiro agora… Adeus! Adeus…

 Tempo presente(ou o ontem que virou depois de amanhã) 

   Caro leitor, permita que eu contextualize todas as linhas deste texto, linhas que talvez não devessem existir mas que, por algum motivo, existem e acabam atuando como pirraça espiritual. Trata-se de uma somatória de delírios clandestinos, escritos pelo Vagabundo da Meia Noite. As informações contidas nas passagens anteriores chegaram apenas nas aproximações do castelo, mas nunca adentraram por ele. 

  Dizem algumas bocas de pano que uma  bruxa sensual com extraordinários olhos de serpente, insiste na pertinência destes escritos: ela inclusive exige que seja relatada aqui a visita daquele boêmio escritor ao castelo. Resolvi transcrever este relato devido ao amável pedido de uma estrela borrada por sorrisos de verduras e legumes. Novamente com a palavra, o Vagabundo da Meia Noite

A mais recente aventura do Vagabundo da Meia Noite 

 Abordarei agora a minha estadia no castelo. Foi a busca pelo amor e por um punhado de gafanhotos  que me levaram ao local .  Cheguei ao castelo durante uma noite que chovia esqueletos, mariposas, a peruca da minha tia e asas de flamingo. A lua, trêmula que estava, iluminava dois amigos que ofereciam ao semáforo um tatu elétrico. 

  A minha carruagem de carvão passava por torres que assemelhavam-se a milenares aves em transe.  Desci, agradeci o cocheiro e adentrei por um portão que sugeria vozes roucas. Eu estava dentro do castelo… 

  Abri a porta principal e uma surpresa: no centro da sala um esgoto a céu aberto. O mordomo, com as mãos sujas de sangue e com uma dúzia de uvas na boca, apontou para uma das extremidades da sala. Foi quando avistei uma senhora empalhada numa cadeira de figos que estavam disfarçados de traseiros de ratazanas. A cortina da janela balançava e emitia um ensurdecedor zumbido de moscas. 

  Emputecido disse ao mordomo que parasse de comédia e me mostrasse o caminho para os meus aposentos. Tomei-lhe o candelabro que possuía uma vela que era uma cobra casca véu. Subi as escadas que rebolavam um pouco. Atravessei um corredor em que bigodes fugiam de cornetas incandescentes. Cheguei até a porta toda forrada com favos de mel e em seguida a abri. 

  Entrei no quarto e tudo estava exatamente como eu esperava: uma enorme tenda vermelha de circo, três estátuas fumando cachimbo e uma tarântula gigante que descia pelo teto. No banheiro, a sereia em sua banheira ouvia a declaração de amor do tímido Minotauro, que por sua vez estava fechado do lado de dentro do Box do chuveiro. 

  Passados seis anos resolvi sair do quarto para tomar café ou chá da madrugada. Fui até o cemitério no quintal e perguntei a uma lâmpada que usava um chapéu de palha: “  Com licença, por acaso a senhora viu a minha amada? “. Ela disse para eu procurar a vidente que vive na árvore que dá frutos de lustres alaranjados. Segundo ela, essa vidente saca tudo sobre amor, groselha, piche e peru de natal. 

  Lá fui eu e quando cheguei em frente a arvore encontrei a tal vidente. Pedi licença para entrar dentro da sua pele e ouvir a tempestade. Entrei. Sempre suspeitei que dentro dos ventos e das nuvens sagradas, o relâmpago me informaria o paradeiro do meu único amor. A tempestade instalada na vidente poderia ser uma possível resposta. 

  Dentro da tempestade curti uma festa regada a bebidas fosforescentes, rosas e dentes de tubarão. No meio da festa notei um rastro de véu(eis a pista que eu procurava).  Subi uma escada vertiginosa que desembocou em treze alçapões. Cheguei no topo, os rastros sumiram.  Notei que eu estava dentro de um tapete, na torre do castelo. Com exceção  de nuvens em forma de morcego, não havia mais nada.

  Permaneci na torre por mais duzentos anos.

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