No espaço da escola, quem sustenta o desejo de coordenar o pedagógico estabelece uma dupla relação com o saber. Desse lugar, o/a coordenador/a pedagógico/a se relaciona com o saber do outro. É a partir desse lugar, na relação com o saber do outro, que constrói seu próprio saber. Qualquer pessoa que já ocupou o lugar de coordenador/a sabe como essa construção é difícil, conflituosa e inacabada. No entanto, as pessoas que estão direta ou indiretamente envolvidas com seu trabalho supõem que, desde o primeiro ato de coordenação, deve-se saber o que faz. Coordenar o que acontece cotidianamente no espaço da escola é uma práxis. E, como toda práxis, requer tempo e desejo para construir esse saber-coordenar.
Quem ocupa esse lugar precisa aprender a arte da escuta. Quem se dispõe a ocupar esse lugar no espaço da escola não tem outra saída a não ser assumir a paixão da ignorância. Na relação com o saber do outro e na construção de seu próprio saber, é preciso admitir um saber que não se sabe, mas se deseja saber. Não é aconselhável confiar demasiado no que se vê e no que se ouve pelos espaços da escola. As coisas que nos chegam pelo olhar, muitas vezes, vêm de relance; e as que nos chegam pelos ouvidos vêm entrecortadas. “Escutar demanda trabalho, assumir nossa ignorância e tornar produtivas nossas dúvidas. Escutar é colocar-se e criar-se dúvidas compartilhadas, escutar é postergar juízos demandando mais fatos e evidências ou mais solidariedade e convicção” (Dunker, 2022, p. 124). O saber de coordenar o pedagógico se constrói na falta, na ausência de certezas, ali mesmo onde paira uma dúvida é que se pode construir um saber.
O sujeito da coordenação pedagógica se constitui na relação com essa falta. Sua práxis é antes de tudo uma aposta, e só pode ser medida pelo reconhecimento de seus efeitos na prática do outro. Desse lugar, o/a coordenador/a está fora da cena pedagógica. Sua função só pode incidir de maneira indireta naquilo que acontece no espaço da escola entre professores/as e aluno/as, entre educadores/as e crianças. Por isso, o desejo de coordenar é um desejo que deseja o desejo do outro. Quem ocupa esse lugar deseja que a prática pedagógica do outro se oriente pela sua orientação, por suas coordenadas. Seu olhar percorre o que acontece cotidianamente no espaço da escola, e de maneira mais ou menos discreta aprova ou reprova o que vê. Quem ocupa o lugar da coordenação exerce também uma relação de poder, da qual é impossível renunciar. É preciso tomar posição diante de uma série de mecanismos de poder, posicionar-se no diagrama de forças que atravessa o espaço da escola. As demandas da coordenação são múltiplas e incessantes. É preciso tomar posição diante das cenas pedagógicas, das orientações curriculares, das políticas educacionais, dos dispositivos jurídicos, dos discursos ideológicos, das fantasias familiares, etc.
Ainda que as demandas da coordenação sejam múltiplas e incessantes, uma delas é talvez a mais importante, pois coordenar a cena pedagógica é a razão de ser de todas as outras demandas. Ao se posicionar diante de uma cena pedagógica, o/a coordenador aparece no espaço da escola sob o signo de uma destas três figuras: a de diretor/a, que pode parar a cena a qualquer momento e dirigir a voz e o gesto das personagens, incidindo diretamente no enredo da cena; a de crítico/a de arte, que expõe seus juízos acerca do enredo que é construído pelas personagens somente após o fim da cena; e a de dramaturgo/a, que pretende compor o enredo antes da ação das personagens na cena pedagógica.
O significante coordenação pedagógica em si mesmo não significa nada. Contudo, se buscarmos seu significado em estado de dicionário, encontraremos ao menos dois sentidos. O primeiro é o de pôr ordem: coordenar é organizar. Organização, organismo e órgão podem ser agrupados em um mesmo campo semântico. Nesse sentido, pode-se afirmar que coordenar é organizar as partes de um corpo, ou seja, exercer uma ação sobre as partes de um corpo que se divide entre docentes e discentes. Sabemos que a ação do corpo sobre o outro produz uma reação. Portanto, esse corpo composto também age sobre o corpo do/a coordenador/a, atua em suas partes e afeta suas ações e intenções. E, por isso, sustentar o desejo de coordenar o pedagógico é uma tarefa difícil e extenuante. O segundo sentido é o de dar ordem: coordenar é mandar, impor uma vontade sobre outras vontades. O exercício do poder que existe na relação entre quem manda e quem obedece parte de uma desigualdade fundamental, que é anterior à própria relação. O lugar da coordenação é hierarquicamente superior aos demais lugares existentes no espaço lugar. A relação com o saber do outro é acessório, nesse caso, o essencial é a relação com sua própria verdade. Quem manda tem a ilusão de que seu corpo seja refratário aos efeitos dos corpos que obedecem. Para ocupar esse lugar de mando é preciso dissimular sua perfeição narcísica e (ab)usar de todos os mecanismos de poder que a instituições escolar dispõe para esse fim. A conjugação desses verbos, pôr ordem e dar ordem, vai depender da posição que o/a coordenador/a ocupar nesse lugar de múltiplas e incessantes demandas no espaço da escola.
Quem ocupa ou ousa ocupar esse lugar deveria de tempo em tempo colocar para si mesmo/a estas três perguntas: 1) Que posição ocupo nesse lugar de coordenação?; 2) De que modo sustento meu desejo de coordenar o pedagógico?; 3) Como é possível que meu desejo faça laço com o desejo do outro? Ouvir essa voz interrogativa como uma voz que cessa de não se escrever talvez possa revelar ao sujeito da coordenação a contingência desse lugar, no qual não há outra coisa senão encontros e afetos que marcam em cada um/a o traço de seu exílio, de sua perene condição de estrangeiro (Lacan, 1985).
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Texto apresentado oralmente na reunião aberta do Coletivo Abracadabra, na Rede de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura, vinculado ao Fórum do Campo Lacaniano-São Paulo.