Do abuso de diagnósticos aos desafios da inclusão: a questão do autismo – Cosmopolita
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Do abuso de diagnósticos aos desafios da inclusão: a questão do autismo

Certamente, você deve ter percebido o aumento significativo de diagnósticos de autismo e se perguntado: afinal, o que é o autismo e por que tantos casos? A resposta para essas perguntas não é simples e nem fácil de responder, pois perpassa a história da literatura médico-psiquiátrica e envolve diferente fatores. Eu chego a dizer que o autismo do DSM-V se difere daquele discutido pela psicanálise.

A incessante busca pela etiologia do autismo, ou seja, pelas suas causas e origens mobilizam profissionais de diferentes áreas, como geneticistas, neurologistas, psiquiatras, psicanalistas, psicólogos, entre outros, porém, apesar dos avanços significativos das pesquisas realizadas e resultados obtidos, conceder uma resposta definitiva seria equivocado e inseguro, pois trata-se de um campo aberto de investigações e estudos, um pensamento em movimento. Nesse sentido, podemos pensar a complexidade do autismo como resultando de distintos fatores, podendo, conforme alguns estudiosos ser pensado no plural “autismos” em virtude dos níveis que diferenciam as deficiências implicadas em cada um deles (leve, moderado e severo), como também das razões que levaram ao fechamento autístico. Outros estudiosos não recorrem ao termo deficiência, e compreendem o autismo como uma posição subjetiva no mundo.

Alguns aspectos presentes no autismo são explorados pelas novelas, cinemas e séries, como os movimentos repetitivos e estereotipados, as ecolalias de linguagem, as dificuldades de interação social, de comunicação, expressão e com a linguagem figurada. Mas, é importante ressaltar que nem todas as crianças no espectro autista possuem essas características e comportamentos, variando conforme a individualidade, por isso, afirmamos que “cada criança autistas é diferente uma da outra”. Essa distinção abre espaço para pensarmos o trabalho educativo e psíquico junto delas, afinal, se cada criança é distinta uma da outra em suas dificuldades e expressões, presumir que a adoção de um único método de trabalho ou compreensão científica poderá ser plenamente efetivo no seu desenvolvimento é restringir as possibilidades e potencialidades daqueles que se encontram no tal chamado “espectro”. Veja só, a palavra “espectro” já denota uma gama de possibilidades, de diferenças, de nuances e quantidades. 

Com relação ao aumento de casos, muitos são os fatores que aqui podem ser elencados, como: maior conhecimento por parte da população sobre o que é o autismo, permitindo cada vez mais que pais e familiares procurem especialistas para avaliação; um número maior de médicos e profissionais do campo psi competentes para o trabalho com crianças autistas; a frequente procura por diagnósticos, tendo em vista que o mesmo permite aos pais exigirem os direitos e políticas públicas para a realização de trabalhos, acompanhamentos e terapias para o desenvolvimento da criança, mas também o que podemos denominar por abuso de diagnósticos, ou seja, uma avaliação prematura que não leva em consideração a subjetividade da criança, mas apenas seus aspectos que coincidem com os fatores descritivos do DSM-V, passando a interpretá-los no registro do autismo, “adesivando-os” a esse diagnóstico. E esses casos não são poucos!

Na clínica psicanalítica e na escola, espaços que mantenho familiaridade, é possível observar um número de crianças cujo funcionamento autistico não se encontra presente. Não há retenção dos objetos pulsionais, atendem demandas, há trocas compartilhadas de prazer nas relações sociais e familiares. Entretanto, algumas delas apresentam movimentos repetitivos ou atraso na fala, elementos já considerados alvo de atenção pelas escolas e algumas famílias que passam a travar uma jornada pela busca de um laudo. Diagnóstico por vezes concedido.

Desta forma, me pergunto se há lugar para a subjetividade neste mal-estar da contemporaneidade, nessa sociedade que reivindica um CID para chamar de seu e que, muitas vezes, exige do outro uma verdade sobre si, “O que eu tenho doutor?” sem tempo para interrogar-se. Não há mais espaço para angústias no século da medicalização do sofrimento, do tamponamento dos sintomas, nos tempos da Ritalina e do Respiridona.

Em linhas gerais, independente das causas, tornou-se sensível a necessidade de conhecer um pouco mais sobre as deficiências presentes em quadros de autismo, colocando diferentes segmentos da sociedade para produzir ideias e trabalhos que visam a inserção e participação das crianças, adolescentes e jovens autistas nos espaços e instituições sociais, mas para isso é importante políticas públicas que favoreçam a instrumentalização e o amparo para que elas ocorram. Sobre instituições, a clínica médica e psicológica tem sido um local de passagem individual dos autistas, entretanto, é nas escolas que eles se encontram e passam a compor o mosaico das diferenças levando professores e gestores a uma insegurança de como conduzir tendo tantos e todos juntos. 

Os autistas têm convocado às escolas a repensarem suas práticas e seus procedimentos metodológicos, pois “pau que dá em Chico, não dá em Francisco”, ou seja, é necessário inventar, reinventar as práticas, ou como escreveu Jean Michel Vivès “bricolar uma solução para cada um”, levando em consideração suas ilhas de competências.

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