O que as estrelas podem nos ensinar? – Cosmopolita
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O que as estrelas podem nos ensinar?

Recentemente, mudei-me para uma região em que as luzes artificiais têm pouco impacto sobre o céu. Ao apagar todas as luzes de casa, a escuridão me permite ver o céu iluminado pelas estrelas. De fato, é outra realidade! Na cidade, ao olharmos o céu com todas aquelas luzes – dos prédios, postes, carros, etc. – vemos algumas estrelas, as constelações mais conhecidas, talvez, e a lua quando não está escondida. Quando nos afastamos um pouco e podemos olhar para o céu na escuridão, vemos outras coisas, vemos outro céu. As estrelas brilham, tremem, latejam. Algumas parecem estar mais próximas e outras mais distantes. Vemos outras constelações que não enxergávamos no ambiente urbano. Vemos o quão distantes umas das outras elas estão e também o quanto há de espaço entre elas – gigantescos espaços. Situamo-nos de forma diferente diante do universo.

A astrofísica nos ensina algo que não é intuitivo. As estrelas que vemos, ou melhor, as luzes que emanam delas, levam algum tempo para chegar até nós. Por exemplo, o sol, que está a 150 milhões de quilômetros da Terra, muito próximo nos termos da física atual, e, no entanto, sua luz leva aproximadamente 8 minutos para chegar até aqui. Isso quer dizer que o que vemos do sol aconteceu há 8 minutos. Todas as atividades solares, suas explosões nucleares, aconteceram 8 minutos antes daquilo que estamos vendo. Não vemos em tempo real, poderíamos dizer. Depois do sol, a outra estrela mais próxima da Terra é a Alfa Centauri, que está a 40 trilhões de quilômetros de nós. Sua luz que vemos hoje saiu dela há mais de 4 anos. Que loucura!

Com as outras estrelas não é diferente. Há estrelas que estão a distâncias muito maiores do nosso planeta. Suas luzes têm viajado uma quantidade enorme de anos para chegar até aqui e iluminar nosso céu. Sem muito esforço, posso inferir que as constelações que iluminam nossos céus são eventos passados que percorrem os espaços e transitam por aqui. Na verdade, quando olhamos para o céu, vemos o passado e tudo o que isso pode significar.

Mas deixemos um pouco de lado as estrelas. Quero falar de outra coisa.

Não sei se você sabe, mas há algum tempo, realizei um filme documentário chamado Hestórias da Psicanálise: Leitores de Freud (2016). Logo quando o filme encerrou sua temporada nos cinemas, eu estava muito cansado, afinal foram 13 semanas em cartaz, além dos 5 anos de produção. No entanto, minha animação com o resultado me movia a continuar gravando tais hestórias, mas não sabia bem como, quando e o quê. Como não conseguia pensar em nada significativamente interessante naquele momento devido ao excesso de trabalho e à conclusão de outro projeto em andamento, decidi esperar um pouco. Em 2018, então, a partir de uma conversa com um amigo a respeito da penetração da psicanálise em nossa cultura, tive a ideia de procurar autores da psicanálise que haviam recebido o prêmio Jabuti nos últimos anos. E, para minha surpresa, foram muitos, fora as indicações. Diante desse fato, resolvi escolher 9 dentre os vencedores e pensei em uma série de entrevistas com esses autores de livros de psicanálise cujos trabalhos foram reconhecidos pela premiação mais importante da literatura no Brasil. Além disso, buscaria tratar do difícil tema da autoria brasileira.

Permitam-me um pequeno parêntese. Desde minha graduação em filosofia, venho me perguntando sobre o quanto valorizamos nossos autores. É evidente que, em nossa formação intelectual no Brasil, as leituras de autores estrangeiros tomaram demasiado espaço em nossos corpos teóricos. Isso não foi sem consequências. Se vocês pegassem uma tese em filosofia ou em psicanálise produzida no Brasil no fim dos anos 1990, vocês encontrariam majoritariamente autores estrangeiros sendo citados. Mais de 20 anos depois, se vocês tiverem a oportunidade de fazer isso, irão encontrar um número maior de citações de produções nacionais, no entanto, ainda há uma enorme reverência aos autores de fora, em especial aos já mortos. Que isso não soe como um nacionalismo desavisado, mas como tentativa de problematizar o que é feito aqui.

Enfim, quando estava com o projeto pronto para começar a pré-produção, veio a pandemia e desarticulou a maioria dos projetos daquele momento. Nesse caso em específico, como queria realizar as entrevistas presenciais para utilizar tecnologia 4k, devido às questões de saúde pública, fui obrigado a adiar mais uma vez a execução do projeto.

Somente no fim da primavera de 2022, quando as coisas começaram a se estabilizar do ponto de vista sanitário, retomei o projeto e comecei a convidar os autores. Enxuguei bem o projeto pensando na sua viabilidade imediata. Então, convidei 4 psicanalistas, uma do Rio de Janeiro e 3 de São Paulo. Todos ganharam o prêmio Jabuti na última década. São eles: Tania Rivera com “O Avesso do Imaginário”, Christian Dunker com “Estrutura e constituição da clínica psicanalítica: uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento”, Maria Rita Kehl com “O tempo e o cão” e Renato Mezan com “O Tronco e os Ramos”. As entrevistas transcorreram todas ao longo do ano de 2023. À exceção da entrevista com Maria Rita Kehl, todas as outras foram realizadas na sede do IPEP.

Minha experiência em entrevistar psicanalistas vem de longa data, desde o mestrado para ser mais preciso. É sempre um desafio. Entrevistar essas pessoas que dedicaram e dedicam boa parte de suas vidas a escutar o outro (e não é uma escuta qualquer), ao estudo constante, ao ensino da psicanálise e, no caso de alguns, à escrita, provoca em mim algo de superlativo. Ter a oportunidade de ouvir suas opiniões, suas reflexões, seus lapsos e ter com elas pontos de convergência e de divergência tem contribuído muito nesse meu percurso psicanalítico. É bem provável que essa experiência me mova a transmiti-la a vocês. Não em sua totalidade, é claro, mas em um recorte específico que provavelmente carregue marcas minhas.

Lembram das estrelas? Então… elas brilham em silêncio, como cantou o poeta, iluminam parte da escuridão e em suas constelações podemos nos situar diante da imensidão do universo. Ora, essa analogia com as estrelas pode ser bem oportuna aqui. Quem negaria que no universo da psicanálise, Freud seria uma estrela – e de grandeza maior? Klein, Winnicott, Bion, Lacan não seriam outras estrelas? Eles produziram há muitas décadas e ainda hoje chegam seus ensinos até nós. E se fôssemos para um lugar ainda mais escuro e olhássemos para esse céu, talvez pudéssemos ver outras tantas estrelas. Quem sabe não descobriríamos os psicanalistas brasileiros do passado e suas produções?!

Os percursos dos psicanalistas que vieram antes de nós podem ser como as estrelas que iluminam os céus, em si não significam nada, ou melhor, significam apenas o que cada um deles pode fazer do seu desejo. Contudo, se tomarmos suas luzes para nos orientar, podemos trabalhar para dar outro significado em sintonia com nosso tempo, espaço e desejo. Quem sabe um dia possamos nos deitar em um gramado onde haja breu e olhemos para esse céu iluminado. Quem sabe possamos até mesmo usar algumas substâncias para ver de outra maneira? Quem sabe?

1 Comentário

  • Maria Eduarda Benedito
    Posted 3 de abril de 2024 at 15:54

    Que texto bonito!

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